sexta-feira, 29 de maio de 2015

Insetos do Espelho Parte II - Capítulo III - Alice Através do Espelho

Era certamente um Mosquito muito grande: “mais ou menos do tamanho de uma galinha”, Alice pensou. Mesmo assim, não podia se sentir nervosa com ele, depois de terem estado conversando por tanto tempo. 
“…então não gosta de todos os insetos?” continuou o Mosquito, tranquilo como se nada tivesse acontecido. 
“Gosto deles quando sabem falar”, disse Alice. “Lá de onde eu venho, nenhum deles jamais falou.”
“Que tipo de inseto lhe agrada mais, lá de onde você vem?” o Mosquito indagou. 
“Insetos não me agradam”, Alice explicou, “porque tenho bastante medo deles… pelo menos dos grandes. Mas posso lhe dizer os nomes de alguns.” 
“Claro que eles atendem pelo nome, não é?” o Mosquito comentou irrefletidamente. 
“Nunca soube que o fizessem.” 
“De que serve terem nomes”, disse o Mosquito, “se não atendem por eles?” 
“Não serve de nada para eles”, disse Alice, “mas é útil para as pessoas que lhes dão nomes, suponho. Senão, para que afinal as coisas têm nome?” 
“Isso eu não sei”, respondeu o Mosquito. “Lá longe, no bosque, elas não têm nome nenhum… seja como for, diga lá sua lista de insetos — está perdendo tempo.” 
“Bem, tem a mosca”, Alice começou, contando os nomes nos dedos. 
“Certo”, disse o Mosquito, “no meio daquele arbusto ali você vai ver uma ‘moscavalo’, se olhar bem. Não sossega, passa o dia se balançando de galho em galho.” 
“Ela come o quê?” Alice perguntou com grande curiosidade. 
“Seiva e serragem”, disse o Mosquito. “Prossiga com a lista.” 
Alice olhou para a moscavalo, muito interessada, e concluiu que tinha acabado de ser repintada, tão reluzente e pegajosa parecia; e continuou.
“Há também a libélula.” 
“Olhe para o galho em cima da sua cabeça”, disse o Mosquito, “e vai ver uma Libélula-de-natal. Seu corpo é de pudim de passas, as asas de azevinho, e a cabeça é uma passa flambada ao conhaque.” 
“E ela come o quê?” perguntou Alice, como antes. 
“Manjar-branco e pastel de carne”, o Mosquito respondeu; “e faz seu ninho na árvore de Natal.”
“Então há a Borboleta, Alice continuou, depois de ter dado uma boa olhada no inseto com a cabeça em chamas e pensado consigo mesma: “Desconfio que é por isso que os insetos gostam tanto de voar para as velas… vontade de virar libélulas-de-natal!” 
“Rastejando aos seus pés”, disse o Mosquito (Alice encolheu os pés um tanto assustada), “você pode observar uma Borboleteiga. Suas asas são fatias finas de pão com manteiga, o corpo é de casca de pão, a cabeça é um torrão de açúcar.” 
“E o que ela come?” 
“Chá fraco com creme.” 
Uma nova dificuldade surgiu na cabeça de Alice: “E se ela não conseguisse encontrar nenhum?” sugeriu. 
“Nesse caso morreria, é claro.” 
“Mas isso deve acontecer com muita frequência”, Alice observou, pensativa. 
“Sempre acontece”, disse o Mosquito. 
Depois disso, Alice ficou em silêncio por um minuto ou dois, refletindo. Nesse meio tempo o Mosquito se divertia dando voltas e voltas em torno da cabeça dela, zumbindo. Finalmente sossegou e fez um comentário: “Você não quer perder o seu nome, não é?” 
“Não, de jeito nenhum”, disse Alice, um pouco agoniada.
“No entanto, não sei”, continuou o Mosquito num tom displicente: “pense só como seria conveniente se você conseguisse ir para casa sem ele! Por exemplo, se a governanta quisesse chamá-la para estudar, ela diria ‘venha cá…’ e teria de parar por aí, porque não teria nenhum nome para chamá-la — e, é claro, você não teria de ir, entendeu?” 
“Isso nunca daria certo, tenho certeza”, disse Alice. “Nunca passaria pela cabeça da governanta me dispensar do estudo por causa disso. Se ela não lembrasse do meu nome, me chamaria de ‘Senhora!’, como as governantas fazem.” 
“Bem, se ela dissesse só ‘Senhora’”, o Mosquito observou, “você diria que está sem hora e não iria estudar… É uma piadinha. Gostaria que você a tivesse feito.” 
“Por que desejaria que eu a tivesse feito?” Alice perguntou. “É um trocadilho infame.” 
O Mosquito limitou-se a suspirar profundamente, enquanto duas grossas lágrimas lhe rolavam pelas faces. 
“Não devia fazer piadas”, disse Alice, “se isso o deixa tão infeliz.” 
Seguiu-se mais um daqueles suspirozinhos tristonhos, e dessa vez o pobre Mosquito pareceu realmente ter-se desfeito em lágrimas, porque quando Alice levantou os olhos não encontrou mais nada no galho e, como já estava sentindo um pouco de frio por ficar tanto tempo sentada quieta, levantou-se e saiu andando. 
Logo chegou a um campo aberto, com um bosque do outro lado; parecia mais escuro que o último bosque e Alice sentiu um pouco de medo de entrar nele. Refletindo melhor, no entanto, resolveu ir em frente, “pois para trás é que não vou, com certeza”, pensou, e aquele era o único caminho para a Oitava Casa. 
“Este deve ser o bosque”, disse pensativamente, “em que as coisas não têm nomes. O que será que vai ser do meu nome quando eu entrar nele? Não gostaria nada de perdê-lo… porque teriam de me dar outro, e é quase certo que seria um nome feio. Mas, nesse caso, o engraçado seria tentar encontrar a criatura que ficou com meu antigo nome! Igualzinho àqueles anúncios, sabe, quando as pessoas perdem cachorros: ‘Responde pelo nome ‘Dash’; usava uma coleira de latão…’ Imagine ficar chamando todas as coisas que eu encontrasse de ‘Alice’ até que uma delas respondesse! Só que elas não responderiam nada, se fossem espertas.” 
Assim divagava quando chegou ao bosque: parecia muito fresco e sombrio. “Bem, de todo modo é um grande alívio”, disse ao entrar sob as árvores, “depois de sentir tanto calor, entrar sob… o quê?” continuou, bastante surpresa de não conseguir lembrar a palavra. “Quero dizer entrar sob… sob as… sob isto, entende!” pondo a mão no tronco da árvore. “Como é que isto se chama, afinal? Acredito que não tem nome… ora, com certeza não tem!” 
Ficou em silêncio um minuto, pensando. Depois, de repente, recomeçou. “Então, no fim das contas a coisa realmente aconteceu! E agora, quem sou eu? Vou me lembrar, se puder! Estou decidida!” Mas estar decidida não ajudou muito, e tudo que conseguiu dizer, depois de quebrar muito a cabeça, foi: “L, eu sei que começa com L!” 
Nesse instante apareceu uma Corça vagando por ali; olhou para Alice com seus olhos grandes e meigos, mas não se assustou nadinha. “Venha cá! Venha cá!” disse Alice, esticando a mão e tentando afagá-la; mas a Corça só recuou um pouco e voltou a olhar para Alice. 
“Como você se chama?” finalmente a Corça perguntou. Que voz doce e suave tinha! 
“Quem me dera saber!” pensou a pobre Alice. Respondeu, um tanto acabrunhada: “Nada, por enquanto.” 
“Pense bem”, a Corça disse, “esse não serve.”
Alice pensou, mas não adiantou coisa alguma. “Por favor, poderia me dizer como você se chama?” disse timidamente. “Acho que isso poderia ajudar um pouco.” 
“Vou lhe dizer se vier um pouco adiante comigo”, disse a Corça. “Aqui não consigo me lembrar.”
Assim, saíram caminhando juntas pelo bosque, Alice abraçando afetuosamente o pescoço macio da Corça, até que chegaram a um outro campo aberto; então a Corça deu um súbito pinote no ar e se desvencilhou dos braços de Alice. “Sou uma Corça!” gritou radiante, “e, oh! você é uma criança humana!” Uma expressão de susto tomou de repente seus bonitos olhos castanhos e no instante seguinte ela fugiu como um raio. Alice ficou procurando-a, prestes a chorar de frustração por ter perdido sua querida companheira de viagem tão de repente. “De todo modo, agora sei meu nome”, disse, “é algum consolo. Alice… Alice… não vou esquecer de novo. E agora, qual dessas setas devo seguir?” 
Não era uma pergunta muito difícil, já que uma única estrada atravessava o bosque, e as duas setas apontavam para ela. “Vou resolver a questão”, disse Alice consigo, “quando a estrada se dividir e elas apontarem rumos diferentes.”
Mas isso não parecia provável. Andou e andou por um longo tempo, mas sempre que a estrada se dividia lá estavam as duas setas, apontando a mesma direção, uma com os dizeres “POR AQUI — CASA DE TWEEDLEDUM” e a outra “CASA DE TWEEDLEDEE — POR AQUI”. 
“Desconfio,” disse Alice por fim, “que eles moram na mesma casa! Não sei como não pensei nisso antes… Mas não posso ficar muito tempo lá. Vou só dar uma chegadinha, dizer ‘olá, como vão?’ e lhes perguntar o caminho para sair do bosque. Se pelo menos eu chegar à Oitava Casa antes do anoitecer!” Assim foi divagando, falando consigo mesma enquanto caminhava, até que, numa curva fechada, deu de encontro com dois homenzinhos gordos, tão de repente que não pôde evitar dar um salto para trás, mas logo se recobrou, certa.




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