“De onde vem?”
perguntou a Rainha Vermelha. “E para onde vai? Levante os olhos, fale direito e
não fique girando os dedos o tempo todo.” Alice obedeceu a todas essas
instruções e explicou, o melhor que pôde, que perdera seu caminho. “Não sei o
que você quer dizer com seu caminho”, disse a Rainha; “todos os caminhos aqui
pertencem a mim… mas afinal, por que veio até aqui?” acrescentou num tom mais
afável. “Enquanto pensa no que dizer, faça reverências, poupa tempo.”
Alice ficou um pouco
surpresa com aquilo, mas estava fascinada demais pela Rainha para duvidar dela.
“Vou tentar quando voltar para casa”, pensou, “da próxima vez que estiver
atrasada para o jantar.”
“Já está na hora de
você responder”, disse a Rainha, olhando seu relógio; “abra um pouco mais a
boca quando fala, e diga sempre ‘Vossa Majestade’.”
“Só queria ver como
era o jardim, Vossa Majestade…”
“Está bem”, disse a
Rainha, dando-lhe tapinhas na cabeça, do que Alice não gostou nada, “se bem
que, quando você diz ‘jardim’… já vi jardins que fariam este parecer um
matagal.”
Alice não se atreveu
a contestar e continuou: “…e pensei em tentar chegar até o alto daquele
morro…”
“Quando você diz
‘morro’”, a Rainha interrompeu, “eu poderia lhe mostrar morros que a fariam
chamar esse de vale.”
“Não, não fariam”,
disse Alice, surpresa por finalmente tê-la contestado: “um morro não pode ser
um vale. Isso seria um absurdo…”
A Rainha Vermelha
sacudiu a cabeça. “Pode chamar de ‘absurdo’ se quiser”, disse, “mas já ouvi
absurdos que fariam este parecer tão sensato quanto um dicionário!”
Alice fez mais uma
reverência, pois temia, pelo tom da Rainha, que estivesse um pouco ofendida. E
as duas saíram andando em silêncio até chegar ao alto do pequeno morro.
Por alguns minutos
Alice ficou sem falar, olhando a região em todas as direções… e que região
curiosa era aquela. Havia uma quantidade de riachinhos minúsculos cortando-a de
lado a lado, e o terreno entre eles era dividido por uma porção de pequenas
cercas verdes, que iam de riacho a riacho.
“Veja só! Está
demarcado exatamente como um grande tabuleiro de xadrez!” Alice disse por fim.
“Deve haver algumas peças se mexendo em algum lugar… ah, lá estão!” acrescentou
encantada, e seu coração começou a disparar de entusiasmo enquanto continuava.
“É uma partida de xadrez fabulosa que está sendo jogada… no mundo todo… se é
que isso é o mundo. Oh, como é divertido! Como eu gostaria de ser um deles. Não
me importaria de ser um Peão, contanto que pudesse participar… se bem que, é
claro, preferiria ser uma Rainha.”
Ao dizer isso, olhou
de rabo de olho, um tanto acanhada, para a verdadeira Rainha, mas sua
companheira apenas sorriu amavelmente e observou: “É fácil arranjar isso. Você
pode ser o Peão da Rainha Branca, se quiser, pois Lily é muito novinha para
jogar; você está na Segunda Casa; quando chegar à Oitava Casa, será uma
Rainha…” Exatamente nesse instante, sabe-se lá por quê, as duas começaram a
correr.
Alice nunca conseguiu
entender direito, refletindo sobre isso mais tarde, como tinham começado: tudo
que lembrava é que estavam correndo de mãos dadas, e a Rainha corria tão
depressa que ela mal conseguia acompanhá-la. Mesmo assim, a Rainha não parava
de gritar “Mais rápido! Mais rápido!”, mas Alice sentia que não podia ir mais
rápido, embora não lhe sobrasse fôlego para dizer isso.
O mais curioso nisso
tudo era que as árvores e as outras coisas em volta delas nunca mudavam de
lugar: por mais depressa que ela e a Rainha corressem, não pareciam ultrapassar
nada. “Será que todas as coisas estão se movendo conosco?” pensou, atônita, a
pobre Alice. E a Rainha pareceu lhe adivinhar os pensamentos, pois gritou “Mais
rápido! Não tente falar!”.
Não que Alice tivesse
a menor intenção de fazer isso. Tinha a impressão de que nunca conseguiria
falar de novo, tão sem fôlego estava ficando; mesmo assim, a Rainha gritava
“Mais rápido! Mais rápido!” e a arrastava consigo. “Estamos chegando?” Alice
conseguiu arquejar finalmente.
“Chegando!” a Rainha
repetiu. “Ora, passamos por lá dez minutos atrás! Mais rápido!” E correram em
silêncio por algum tempo, o vento assobiando nos ouvidos de Alice e, imaginou,
quase lhe arrancando fora os cabelos.
“Vamos! Vamos!”
gritou a Rainha. “Mais rápido! Mais rápido!” E correram tão depressa que por
fim pareciam deslizar pelo ar, mal roçando o chão com os pés, até que de
repente, bem quando Alice estava ficando completamente exausta, pararam, e ela
se viu sentada no chão, esbaforida e tonta.
A Rainha a recostou
contra uma árvore e disse gentilmente: “Pode descansar um pouco agora.”
Alice olhou ao seu
redor muito surpresa. “Ora, eu diria que ficamos sob esta árvore o tempo todo!
Tudo está exatamente como era!”
“Claro que está”,
disse a Rainha, “esperava outra coisa?”
“Bem, na nossa
terra”, disse Alice, ainda arfando um pouco, “geralmente você chegaria a algum
outro lugar… se corresse muito rápido por um longo tempo, como fizemos.”
“Que terra mais
pachorrenta!” comentou a Rainha. “Pois aqui, como vê, você tem de correr o mais
que pode para continuar no mesmo lugar. Se quiser ir a alguma outra parte, tem
de correr no mínimo duas vezes mais rápido!”
“Prefiro não tentar,
por favor!” suplicou Alice. “Estou muito satisfeita de estar aqui… só que estou
com tanto calor e com tanta sede!”
“Sei do que você
gostaria!” disse a Rainha bondosamente, tirando uma caixinha do bolso. “Aceita
um biscoito?”
Alice achou que seria
pouco educado dizer “Não”, embora aquilo não fosse nem de longe o que queria.
Pegou o biscoito e fez o possível para comê-lo: era sequíssimo, e pensou que
nunca ficara tão engasgada em toda a sua vida.
“Enquanto você se
revigora”, disse a Rainha, “vou tirando as medidas.” E sacou uma fita métrica
do bolso e pôs-se a medir o terreno e a fincar pequenas estacas aqui e
ali.
“Ao fim de dois
metros”, disse, cravando uma estaca para marcar a distância, “eu lhe darei suas
instruções… aceita mais um biscoito?”
“Não, obrigada”,
recusou Alice; “um foi o bastante!”
“Matou a sede,
espero”, disse a Rainha.
Alice não soube o que
responder, mas felizmente a Rainha não esperou resposta, continuando: “Ao fim
de três metros vou repeti-las… para o caso de você as ter esquecido. Ao fim de
quatro, vou dizer adeus. E ao fim de cinco, vou-me embora!”
A essa altura tinha
fincado todas as estacas, e Alice olhou-a com muito interesse enquanto ela
voltava para a árvore e em seguida começava a caminhar lentamente ao longo da
fila.
Junto à estaca dos
dois metros a Rainha virou o rosto e disse: “Um peão avança duas casas em seu
primeiro movimento, como você sabe. Assim, você vai avançar muito rápido para a
Terceira Casa… de trem, eu acho… e num instante vai se ver na Quarta Casa. Bem,
essa casa pertence a Tweedledum e Tweedledee… a Quinta é quase só água… a Sexta
pertence a Humpty Dumpty… Mas você não faz nenhum comentário?”
“Eu… eu não sabia que
devia fazer algum… bem nesse ponto”, Alice gaguejou.
“Devia ter dito”,
prosseguiu a Rainha em tom de grave censura, “‘é extremamente gentil da sua parte
me falar tudo isto’… mas vamos supor que isso foi dito… a Sétima Casa é toda no
bosque… contudo, um dos Cavaleiros lhe mostrará o caminho… e na Oitava Casa,
nós, as Rainhas, estaremos juntas; é tudo festa e diversão!” Alice se levantou,
fez uma reverência e se sentou de novo.
Na estaca seguinte a
Rainha se virou e, desta vez, disse: “Fale em francês quando a palavra em
inglês para alguma coisa não lhe ocorrer… ande com as pontas dos pés para fora…
e lembre-se de quem você é.” Não esperou que Alice fizesse uma reverência dessa
vez, caminhando rápido para a outra estaca, onde se virou por um instante para
dizer “Adeus” e correu para a seguinte.
Como aquilo
aconteceu, Alice nunca soube, mas exatamente ao chegar à última estaca, a
Rainha desapareceu. Se sumiu no ar ou se correu veloz para o bosque (“e ela é
capaz de correr muito rápido!” pensou Alice), não havia como saber, e Alice
começou a se lembrar de que era um Peão e de que logo seria hora de se mover.