quarta-feira, 24 de junho de 2015

O Jardim das Flores Vivas Parte II - Capítulo II - Alice Através do Espelho

“De onde vem?” perguntou a Rainha Vermelha. “E para onde vai? Levante os olhos, fale direito e não fique girando os dedos o tempo todo.” Alice obedeceu a todas essas instruções e explicou, o melhor que pôde, que perdera seu caminho. “Não sei o que você quer dizer com seu caminho”, disse a Rainha; “todos os caminhos aqui pertencem a mim… mas afinal, por que veio até aqui?” acrescentou num tom mais afável. “Enquanto pensa no que dizer, faça reverências, poupa tempo.”
Alice ficou um pouco surpresa com aquilo, mas estava fascinada demais pela Rainha para duvidar dela. “Vou tentar quando voltar para casa”, pensou, “da próxima vez que estiver atrasada para o jantar.” 
“Já está na hora de você responder”, disse a Rainha, olhando seu relógio; “abra um pouco mais a boca quando fala, e diga sempre ‘Vossa Majestade’.” 
“Só queria ver como era o jardim, Vossa Majestade…” 
“Está bem”, disse a Rainha, dando-lhe tapinhas na cabeça, do que Alice não gostou nada, “se bem que, quando você diz ‘jardim’… já vi jardins que fariam este parecer um matagal.” 
Alice não se atreveu a contestar e continuou: “…e pensei em tentar chegar até o alto daquele morro…” 
“Quando você diz ‘morro’”, a Rainha interrompeu, “eu poderia lhe mostrar morros que a fariam chamar esse de vale.” 
“Não, não fariam”, disse Alice, surpresa por finalmente tê-la contestado: “um morro não pode ser um vale. Isso seria um absurdo…” 
A Rainha Vermelha sacudiu a cabeça. “Pode chamar de ‘absurdo’ se quiser”, disse, “mas já ouvi absurdos que fariam este parecer tão sensato quanto um dicionário!” 
Alice fez mais uma reverência, pois temia, pelo tom da Rainha, que estivesse um pouco ofendida. E as duas saíram andando em silêncio até chegar ao alto do pequeno morro. 
Por alguns minutos Alice ficou sem falar, olhando a região em todas as direções… e que região curiosa era aquela. Havia uma quantidade de riachinhos minúsculos cortando-a de lado a lado, e o terreno entre eles era dividido por uma porção de pequenas cercas verdes, que iam de riacho a riacho. 
“Veja só! Está demarcado exatamente como um grande tabuleiro de xadrez!” Alice disse por fim. “Deve haver algumas peças se mexendo em algum lugar… ah, lá estão!” acrescentou encantada, e seu coração começou a disparar de entusiasmo enquanto continuava. “É uma partida de xadrez fabulosa que está sendo jogada… no mundo todo… se é que isso é o mundo. Oh, como é divertido! Como eu gostaria de ser um deles. Não me importaria de ser um Peão, contanto que pudesse participar… se bem que, é claro, preferiria ser uma Rainha.” 
Ao dizer isso, olhou de rabo de olho, um tanto acanhada, para a verdadeira Rainha, mas sua companheira apenas sorriu amavelmente e observou: “É fácil arranjar isso. Você pode ser o Peão da Rainha Branca, se quiser, pois Lily é muito novinha para jogar; você está na Segunda Casa; quando chegar à Oitava Casa, será uma Rainha…” Exatamente nesse instante, sabe-se lá por quê, as duas começaram a correr. 
Alice nunca conseguiu entender direito, refletindo sobre isso mais tarde, como tinham começado: tudo que lembrava é que estavam correndo de mãos dadas, e a Rainha corria tão depressa que ela mal conseguia acompanhá-la. Mesmo assim, a Rainha não parava de gritar “Mais rápido! Mais rápido!”, mas Alice sentia que não podia ir mais rápido, embora não lhe sobrasse fôlego para dizer isso. 
O mais curioso nisso tudo era que as árvores e as outras coisas em volta delas nunca mudavam de lugar: por mais depressa que ela e a Rainha corressem, não pareciam ultrapassar nada. “Será que todas as coisas estão se movendo conosco?” pensou, atônita, a pobre Alice. E a Rainha pareceu lhe adivinhar os pensamentos, pois gritou “Mais rápido! Não tente falar!”. 
Não que Alice tivesse a menor intenção de fazer isso. Tinha a impressão de que nunca conseguiria falar de novo, tão sem fôlego estava ficando; mesmo assim, a Rainha gritava “Mais rápido! Mais rápido!” e a arrastava consigo. “Estamos chegando?” Alice conseguiu arquejar finalmente.
“Chegando!” a Rainha repetiu. “Ora, passamos por lá dez minutos atrás! Mais rápido!” E correram em silêncio por algum tempo, o vento assobiando nos ouvidos de Alice e, imaginou, quase lhe arrancando fora os cabelos. 
“Vamos! Vamos!” gritou a Rainha. “Mais rápido! Mais rápido!” E correram tão depressa que por fim pareciam deslizar pelo ar, mal roçando o chão com os pés, até que de repente, bem quando Alice estava ficando completamente exausta, pararam, e ela se viu sentada no chão, esbaforida e tonta. 
A Rainha a recostou contra uma árvore e disse gentilmente: “Pode descansar um pouco agora.” 
Alice olhou ao seu redor muito surpresa. “Ora, eu diria que ficamos sob esta árvore o tempo todo! Tudo está exatamente como era!” 
“Claro que está”, disse a Rainha, “esperava outra coisa?” 
“Bem, na nossa terra”, disse Alice, ainda arfando um pouco, “geralmente você chegaria a algum outro lugar… se corresse muito rápido por um longo tempo, como fizemos.” 
“Que terra mais pachorrenta!” comentou a Rainha. “Pois aqui, como vê, você tem de correr o mais que pode para continuar no mesmo lugar. Se quiser ir a alguma outra parte, tem de correr no mínimo duas vezes mais rápido!” 
“Prefiro não tentar, por favor!” suplicou Alice. “Estou muito satisfeita de estar aqui… só que estou com tanto calor e com tanta sede!” 
“Sei do que você gostaria!” disse a Rainha bondosamente, tirando uma caixinha do bolso. “Aceita um biscoito?” 
Alice achou que seria pouco educado dizer “Não”, embora aquilo não fosse nem de longe o que queria. Pegou o biscoito e fez o possível para comê-lo: era sequíssimo, e pensou que nunca ficara tão engasgada em toda a sua vida. 
“Enquanto você se revigora”, disse a Rainha, “vou tirando as medidas.” E sacou uma fita métrica do bolso e pôs-se a medir o terreno e a fincar pequenas estacas aqui e ali. 
“Ao fim de dois metros”, disse, cravando uma estaca para marcar a distância, “eu lhe darei suas instruções… aceita mais um biscoito?” 
“Não, obrigada”, recusou Alice; “um foi o bastante!” 
“Matou a sede, espero”, disse a Rainha. 
Alice não soube o que responder, mas felizmente a Rainha não esperou resposta, continuando: “Ao fim de três metros vou repeti-las… para o caso de você as ter esquecido. Ao fim de quatro, vou dizer adeus. E ao fim de cinco, vou-me embora!” 
A essa altura tinha fincado todas as estacas, e Alice olhou-a com muito interesse enquanto ela voltava para a árvore e em seguida começava a caminhar lentamente ao longo da fila. 
Junto à estaca dos dois metros a Rainha virou o rosto e disse: “Um peão avança duas casas em seu primeiro movimento, como você sabe. Assim, você vai avançar muito rápido para a Terceira Casa… de trem, eu acho… e num instante vai se ver na Quarta Casa. Bem, essa casa pertence a Tweedledum e Tweedledee… a Quinta é quase só água… a Sexta pertence a Humpty Dumpty… Mas você não faz nenhum comentário?” 
“Eu… eu não sabia que devia fazer algum… bem nesse ponto”, Alice gaguejou. 
“Devia ter dito”, prosseguiu a Rainha em tom de grave censura, “‘é extremamente gentil da sua parte me falar tudo isto’… mas vamos supor que isso foi dito… a Sétima Casa é toda no bosque… contudo, um dos Cavaleiros lhe mostrará o caminho… e na Oitava Casa, nós, as Rainhas, estaremos juntas; é tudo festa e diversão!” Alice se levantou, fez uma reverência e se sentou de novo. 
Na estaca seguinte a Rainha se virou e, desta vez, disse: “Fale em francês quando a palavra em inglês para alguma coisa não lhe ocorrer… ande com as pontas dos pés para fora… e lembre-se de quem você é.” Não esperou que Alice fizesse uma reverência dessa vez, caminhando rápido para a outra estaca, onde se virou por um instante para dizer “Adeus” e correu para a seguinte. 
Como aquilo aconteceu, Alice nunca soube, mas exatamente ao chegar à última estaca, a Rainha desapareceu. Se sumiu no ar ou se correu veloz para o bosque (“e ela é capaz de correr muito rápido!” pensou Alice), não havia como saber, e Alice começou a se lembrar de que era um Peão e de que logo seria hora de se mover.




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