quinta-feira, 4 de junho de 2015

VI - A Menina dos cabelos azuis - Pinóquio

Enquanto o pobre Pinóquio parecia mais morto que vivo, uma Menina de cabelos azuis debruçou-se à janela da casinha e bateu palmas três vezes. Um grande falcão veio pousar no peitoril da janela.
— O que ordena, minha graciosa Fada? — disse ele, abaixando o bico em sinal de reverência. A Menina dos cabelos azuis nada mais era que uma bondosa Fada que há mais de mil anos vivia no bosque.
— Está vendo aquela marionete pendurada num galho do grande carvalho?
Voe até lá, quebre com o bico o nó que a mantém suspensa no ar e a pouse delicadamente, deitando-a na grama.
O Falcão foi e dois minutos mais tarde voltou dizendo:
— O que me ordenou está feito.
A Fada tomou no colo a pobre marionete e, levando-a para um quartinho, mandou chamar os médicos mais famosos da vizinhança.
Os médicos chegaram rapidamente. Eram um Corvo, uma Coruja e um Grilo-Falante.
O Corvo tateou o pulso, o nariz e os dedos mindinhos dos pés de Pinóquio.
E pronunciou solenemente estas palavras:
— A meu ver, a marionete está morta. Mas se por desgraça não estiver morta, então será indício seguro de que continua viva!
— Sinto muito — disse a Coruja — ter que contradizer o Corvo, meu ilustre amigo e colega. Na minha opinião é o contrário: a marionete continua viva. Mas se por desgraça não estiver viva, será sinal de que realmente está morta.
— E o senhor não diz nada? — perguntou a Fada ao Grilo-Falante.
— Eu digo que o médico prudente, quando não sabe o que dizer, o melhor que faz é ficar calado. De resto, essa marionete não me é estranha, eu a conheço faz tempo!... Pinóquio, até então imóvel, teve um tremor que sacudiu a cama inteira.
— Essa marionete aí — continuou o Grilo-Falante — é um tratante de carteirinha, um preguiçoso, um vagabundo...
Pinóquio escondeu a cara debaixo dos lençóis.
— É um filho desobediente, que vai partir o coração do seu pobre pai!...
Nesse momento, ouviu-se no quarto um som sufocado de choro e de soluços. Quem chorava e soluçava era Pinóquio.
— Quando o morto chora, é sinal de que está a caminho da cura — disse solenemente o Corvo.
— Sinto contradizer o meu ilustre amigo e colega — acrescentou a Coruja —, mas para mim, quando o morto chora, é sinal de que lamenta morrer.
Assim que os três médicos saíram, a Fada aproximou-se de Pinóquio e, após tocar-lhe a testa, percebeu que estava com uma febre altíssima.
Então dissolveu um pozinho em água e, estendendo-o para ele, disse carinhosamente:
— Beba. É amargo, mas vai lhe fazer bem.
— Se é amargo, não quero.
— Quando tiver bebido lhe darei uma bolinha de açúcar.
— Antes quero o açúcar, e depois bebo essa água amarga...
— Você promete?
— Prometo...
A Fada lhe deu a bolinha e Pinóquio, tendo-a mastigado e engolido em um instante, disse lambendo os beiços:
— Que bom seria se o açúcar fosse um remédio! Eu tomaria purgante todos os dias.
Pinóquio pegou o copo na mão, de má vontade. Enfiou nele a ponta do nariz, depois o aproximou da boca, depois voltou a enfiar a ponta do nariz. Finalmente disse:
— É amarga demais! Não posso beber.
— Como é que você diz isso se nem provou?
— Imagino. Senti pelo cheiro. Antes quero outra bolinha de açúcar... Depois bebo!
Então a Fada, com a paciência de uma boa mãe, botou-lhe mais um pouco de açúcar na boca e em seguida ofereceu-lhe outra vez o copo.
— Assim não posso beber! — disse a marionete fazendo mil caretas.
— Por quê?
— Porque está me incomodando a porta do quarto, que está meio aberta.
A Fada fechou a porta.
— Eu não quero beber essa água amarga horrorosa, não quero!... Prefiro morrer a tomar esse remédio ruim — gritou Pinóquio.
Nesse momento, a porta do quarto abriu-se e entraram quatro coelhos pretos que traziam nos ombros um pequeno caixão.
— O que vocês querem de mim? — gritou Pinóquio, assustado.
— Viemos buscá-lo — respondeu o coelho maior.
— Mas eu ainda não estou morto!...
— Ainda não, mas sobram-lhe poucos minutos de vida, já que você se recusou a tomar o remédio que teria acabado com a febre.
— Oh, minha Fada! — começou então a gritar a marionete —, dê-me logo aquele copo... Depressa, pelo amor de Deus, porque não quero morrer, não...
E tomando o copo com ambas as mãos, esvaziou-o de um só gole.
— Paciência! — disseram os coelhos. — Desta vez fizemos a viagem à toa.
— E colocando novamente nos ombros o pequeno caixão, saíram do quarto.
O fato é que dali a poucos minutos Pinóquio pulou da cama completamente curado porque, é bom que se saiba, as marionetes de madeira têm o privilégio de adoecer raramente e de sarar muito depressa.
E a Fada, vendo-o correr e rolar pelo chão do quarto, alegre e irrequieto como um franguinho novo, disse-lhe:
— Os meninos deveriam saber que um bom remédio tomado a tempo pode salvá-los de uma doença grave, e talvez até da morte...
— Da próxima vez vou me lembrar daqueles coelhos pretos com o caixão nos ombros... aí vou tomar logo o copo na mão, e glupt.
— Agora me conte como foi que você acabou nas mãos dos assassinos.
Pinóquio contou tudo o que lhe havia acontecido.
— E agora, onde estão as quatro moedas? — perguntou a Fada ao fim da história.
— Perdi! — respondeu Pinóquio. Mas mentiu, porque estava com elas no bolso.
Assim que ele disse a mentira, seu nariz, que já era comprido, cresceu mais dois dedos.
— E onde você as perdeu?
— No bosque aqui perto.
Com essa segunda mentira o nariz continuou crescendo.
— Se você perdeu as moedas aqui perto — disse a Fada —, vamos procurálas, porque tudo o que se perde no bosque aqui perto se encontra.
— Ah! Agora estou me lembrando direito — rebateu a marionete —, eu não perdi as quatro moedas, mas, sem perceber, as engoli enquanto tomava o seu remédio.
Com essa terceira mentira, o nariz cresceu de forma tão extraordinária que o pobre Pinóquio não conseguia mais se virar para lado nenhum. Virando-se para cá, batia o nariz na cama e nos vidros da janela, e virando-se para lá, batia com ele nas paredes ou na porta do quarto.
A Fada olhava para ele e ria.
— De que está rindo? — perguntou Pinóquio, preocupado com aquele seu nariz que crescia a olhos vistos.
— Da mentira que você contou.
— Como sabe que eu contei uma mentira?
— As mentiras, meu menino, se reconhecem logo, porque são de duas espécies: as que têm as pernas curtas, e as que têm o nariz comprido. A sua é justamente daquelas que têm o nariz comprido.
Pinóquio, não sabendo mais onde se esconder de vergonha, tentou fugir do quarto. Mas não conseguiu. Seu nariz havia crescido tanto, que não passava mais pela porta.




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