Depois de cinqüenta
minutos, o comprador disse, falando sozinho:
— A esta hora, o meu
pobre burrinho manco deve estar bem afogado.
Vamos puxá-lo para
cima, e fazer um lindo tambor com a sua pele.
E começou a puxar a
corda com que lhe havia amarrado a perna. E puxa que puxa, viu aparecer na
superfície uma marionete viva, que se debatia como uma enguia.
Surpreso, o pobre
homem disse:
— E o burrinho que
atirei ao mar?
— Aquele burrinho sou
eu! — respondeu a marionete rindo.
— Mas como você virou
uma marionete de madeira?..
— Quer saber a
história verdadeira? Solte-me a perna, e eu conto.
O comprador, curioso,
soltou logo o nó da corda. Pinóquio lhe contou toda a sua história, terminando
assim:
— ... Então o senhor
me comprou para fazer um tambor com a minha pele!
Um tambor!... Porém,
caro patrão, o senhor fez as contas sem considerar a Fada...
— E quem é essa Fada?
— É minha mãe, que se
parece com todas as boas mães que amam seus filhos, e nunca os perdem de vista,
e cuidam deles amorosamente em qualquer desgraça, mesmo quando esses filhos,
por sua falta de juízo e seu mau comportamento, mereceriam ser abandonados e
entregues a si mesmos. A boa Fada mandou imediatamente um cardume infinito de
peixes, e eles, acreditando que eu era um burrinho morto, começaram a me comer!
E que dentadas me davam! Nunca pensei que os peixes fossem mais gulosos que as
crianças!... Uns me comeram as orelhas, outros me comeram o focinho, teve quem
me comeu o pescoço e a crina, quem atacou o pelame das costas...
— De hoje em diante —
disse o comprador horrorizado —, juro que nunca mais vou provar carne de peixe.
Eu não suportaria abrir uma pescadinha frita e dar de cara com um rabo de
burro!
— Eu penso que nem o
senhor — respondeu a marionete rindo. — Aliás, é bom saber que, quando os
peixes acabaram de comer toda a casca asinina que me cobria da cabeça aos pés,
chegaram à madeira, e foram embora cada um para um lado, sem nem virar para
trás e me agradecer.
— O que eu sei é que
gastei vinte centavos para comprar você e quero o meu dinheiro de volta —
gritou o comprador enfurecido. — Vou levá-lo de volta para o mercado e vender a
peso como lenha seca para acender a lareira.
— Pode me vender,
tudo bem — disse Pinóquio. Mas ao dizer isso deu um salto e pulou na água. E
afastando-se da praia gritava alegremente para o pobre comprador:
— Adeus, patrão. Se
precisar de uma pele para fazer um tambor, lembre-se de mim.
Enquanto Pinóquio
nadava, saiu da água e veio ao seu encontro a horrível cabeça de um monstro
marinho, com a boca escancarada como um sorvedouro e três fileiras de presas
era, nem mais nem menos, o mesmo gigantesco Tubarão de quem já se falou nesta
história.
O pobre Pinóquio
tentou evitá-lo, mudar de rumo, mas a imensa boca escancarada engoliu a pobre
marionete. Pinóquio, dentro do corpo do Tubarão, não conseguia se orientar. Por
todos os lados havia uma enorme escuridão, mas teve a impressão de ver lá longe
uma espécie de claridade.
Pinóquio caminhou no
meio da escuridão, na direção dela. Afinal, depois de muito andar, chegou. E ao
chegar... encontrou uma pequena mesa posta, tendo em cima uma vela acesa numa
garrafa verde, e sentado à mesa um velhinho que estava ali mastigando uns
peixinhos.
Vendo isso, o pobre
Pinóquio deu um grito de felicidade:
— Meu paizinho! Até
que enfim o encontrei! Agora não vou deixá-lo nunca, nunca mais!
— É mesmo o meu
querido Pinóquio? — O velhinho esfregou os olhos.
— Sou eu, eu mesmo! E
o senhor já me perdoou, não é? Meu paizinho, como o senhor é bom!... Mas se o
senhor soubesse quantas coisas deram errado para mim! Há quanto tempo o senhor
está trancado aqui dentro? — perguntou enfim Pinóquio.
— Dois anos,
Pinóquio, dois anos que me pareceram dois séculos. Aquela mesma tempestade que
virou meu barquinho fez afundar também um navio mercante. Todos os marinheiros
se salvaram, mas o nosso Tubarão, que naquele dia estava com um apetite
excelente, depois de ter-me engolido, engoliu também o navio de uma só
bocada...
Cuspiu só o mastro
principal, porque tinha ficado entre os dentes dele que nem uma espinha. Para
sorte minha, aquele navio estava carregado de carne em lata, de biscoitos, de
garrafas de vinho, de passas, de queijo, de café, de açúcar, de velas e de
caixas de fósforos. Com essa fartura toda pude viver dois anos. Mas hoje estou
chegando ao fim das provisões, e esta vela que você vê acesa é a última que
sobrou...
— Então, paizinho —
disse Pinóquio —, não há tempo a perder. Temos que fugir...
— Fugir?... E como?
— Fugindo pela boca
do Tubarão e nadando no mar.
— Você está certo,
mas eu não sei nadar.
— E daí?... O senhor
monta nos meus ombros e eu, que sou um bom nadador, levo-o são e salvo até a
praia.
— Ilusões, meu
menino! — respondeu Gepeto. — Como lhe parece possível que uma marionete que
nem você tenha força para me levar nos ombros, nadando?
— Experimente e verá.
De todo modo, se está escrito no céu que temos que morrer, pelo menos teremos o
grande consolo de morrer juntos, abraçados.
Sem dizer mais nada
Pinóquio tomou a vela na mão e, andando à frente para iluminar o caminho, disse
ao pai:
— Venha atrás de mim
e não tenha medo.
E assim atravessaram
todo o corpo e o estômago do Tubarão. Mas chegando ao ponto onde começava a
grande goela do monstro, acharam melhor dar uma olhada a fim de escolher o
momento oportuno para a fuga.
Convém saber que o
Tubarão, sendo muito velho e sofrendo de asma e de palpitações cardíacas, era
obrigado a dormir de boca aberta, razão pela qual Pinóquio, debruçando-se no
começo da goela e olhando para cima, conseguiu ver para lá da enorme boca
escancarada um belo pedaço de céu estrelado e um lindíssimo luar.
— Este é o melhor
momento para fugir — murmurou então voltando-se para o pai. — O Tubarão está
dormindo e o mar está tranqüilo. Venha atrás de mim, e daqui a pouco estaremos
salvos.
Sempre andando na
ponta dos pés, subiram pela goela do monstro. Depois atravessaram toda a língua
e passaram por cima das três fileiras de dentes. Antes de dar o grande salto, a
marionete disse para o pai:
— Monte nos meus
ombros e me abrace com força.
Pinóquio atirou-se na
água e começou a nadar, com Gepeto nos ombros. O mar estava liso como azeite, a
lua resplandecia, e o Tubarão continuava dormindo com um sono tão profundo, que
não teria acordado nem com um tiro de canhão.
Nenhum comentário:
Postar um comentário