quinta-feira, 4 de junho de 2015

XIV - Finalmente Pinóquio deixa de ser uma marionete - Pinóquio

Chegando à praia, Pinóquio saltou primeiro, para ajudar seu pai.
Enquanto isso, o dia já havia clareado.
Pinóquio e Gepeto ainda não haviam dado cem passos, quando viram sentados na beira da estrada dois tipos mal-encarados que estavam ali pedindo esmola.
Eram o Gato e a Raposa. Mas não se pareciam mais com os de antigamente. O Gato, de tanto se fingir cego, havia acabado por ficar cego de verdade. E a Raposa, envelhecida, sarnenta e paralítica de um lado, não tinha mais sequer a cauda. Pois é.
Aquela pequena ladra, tendo caído na miséria, viu-se obrigada, um belo dia, a vender sua lindíssima cauda a um ambulante, que a comprou para fazer um espanta-moscas.
— Oh, Pinóquio — gritou a Raposa com voz chorosa —, faça uma caridade para estes dois pobres enfermos.
— Enfermos! — repetiu o Gato.
— Adeus, tratantes! — respondeu a marionete. — Vocês me enganaram uma vez, agora não caio mais nessa.
— Acredite, Pinóquio, hoje somos realmente pobres e desgraçados!
— Desgraçados! — repetiu o Gato.
— Se estão pobres é bem-merecido. Adeus, fingidos!
E dizendo isso Pinóquio e Gepeto seguiram seu caminho. Ao fim de uma estradinha viram uma linda cabana.
— Vamos lá bater — disse Pinóquio.
— Quem é? — perguntou uma vozinha de dentro.
— Somos um pobre pai e um pobre filho, sem pão e sem abrigo — respondeu a marionete.
— Rodem a chave, que a porta abre — disse a mesma vozinha.
Pinóquio virou a chave, e a porta abriu-se.
— Estou aqui em cima!
Pai e filho olharam para o teto e viram, em cima de uma viga, o Grilo-Falante.
— Oh! Grilinho querido — disse Pinóquio educadamente.
— Agora você me chama de “Grilinho querido”, não é? Mas está lembrado de quando me atirou um martelo?...
— Tem razão, Grilinho! Pode me atirar um martelo, mas tenha pena do meu pobre pai...
— Eu vou ter pena do pai e também do filho. Mas tive que lembrá-lo de uma grave grosseria recebida, para lhe ensinar que neste mundo, sempre que possível, temos que ser delicados com todos, se queremos que nos retribuam com igual delicadeza nos dias de necessidade.
— Você tem toda a razão, Grilinho, e eu não vou esquecer a lição. Mas onde posso encontrar um copo de leite para o meu pobre pai?
— Três campos para lá deste, vive o hortelão Janjão, que cria vacas. Vá até lá e encontrará o leite que procura.
Pinóquio foi correndo até a casa do hortelão Janjão. Mas o hortelão lhe disse:
— Um copo de leite custa um tostão.
— Não tenho nem um centavo — respondeu Pinóquio constrangido e triste.
— Quem sabe podemos fazer um arranjo — disse Janjão. — Você aceitaria rodar a nora?
— E o que é nora?
— É aquela engenhoca de madeira que serve para tirar a água da cisterna, para regar as hortaliças.
— Vou tentar...
— Então, você puxa cem baldes de água para cima, e eu lhe dou em pagamento um copo de leite.
Janjão levou a marionete para a horta e lhe mostrou como rodar a nora.
Mas, antes mesmo de ter puxado os cem baldes, Pinóquio estava todo ensopado de suor, da cabeça aos pés. Nunca antes havia tido que fazer tamanho esforço.
— Até agora, quem tinha essa trabalheira — disse o hortelão — era o meu burro. Mas hoje o pobre bicho está no fim.
— Pode me levar para vê-lo? — perguntou Pinóquio.
— Com prazer.
Assim que Pinóquio entrou na estrebaria, viu um lindo burrinho deitado na palha, acabado pela fome e pelo excesso de trabalho. E debruçando-se até ele perguntou-lhe em dialeto asinino:
— Quem é você?
Ouvindo essa pergunta, o burrinho abriu os olhos moribundos e respondeu gaguejando no mesmo dialeto:
— Sou o Pa...vi...o.
E em seguida fechou os olhos e morreu.
— Pobre Pavio! — disse Pinóquio. E catando um punhado de palha enxugou uma lágrima que lhe escorria pelo rosto.
A marionete pegou seu copo de leite quase quente e voltou para a cabana.
Daquele dia em diante, ao longo de mais de cinco meses, Pinóquio continuou levantando-se de madrugada, antes de o sol nascer, para ir girar a nora: e assim ganhar aquele copo de leite que tão bem fazia à saúde do seu pai. E nem se contentou com isso, porque com o tempo aprendeu também a fabricar balaios e cestas de junco, e com o dinheiro que ganhava com eles pagava todas as despesas diárias. Entre outras coisas, construiu sozinho um carrinho para levar seu pai a passeio quando o tempo estava bom. E à noite ficava acordado até tarde exercitando-se na leitura e na escrita.
O fato é que, com seu empenho em encontrar soluções, em trabalhar e progredir, não só havia conseguido sustentar quase com conforto seu pai sempre adoentado, como, ainda por cima, havia economizado quarenta tostões para comprar uma roupinha nova.
Uma manhã disse ao pai:
— Vou até o mercado aqui perto, para comprar uma jaquetinha, um chapeuzinho e um par de sapatos.
E saindo de casa começou a correr, todo contente e alegre. De repente porém, viu um lindo caracol que vinha saindo de uma sebe.
— Eu sou empregado da Fada dos cabelos azuis — disse o Caracol.
— Onde está a minha boa Fada? — gritou Pinóquio. — O que ela está fazendo? Ainda se lembra de mim? Posso ir visitá-la?
O Caracol respondeu:
— A pobre Fada está numa cama de hospital!...
— De hospital?
— Infelizmente. Atingida por mil desgraças, adoeceu gravemente e não tem mais sequer o dinheiro para comprar um pedaço de pão.
— É mesmo?... Pobrezinha da Fada!... Se eu tivesse um milhão ia correndo levar para ela. Mas eu só tenho esses quarenta tostões que aqui estão, e estava justamente indo comprar uma roupa nova. Tome, Caracol, e vá logo levá-los para a minha boa Fada.
— E a sua roupa nova?
— Que me importa a roupa nova? Eu venderia até esses trapos que visto, para poder ajudá-la! Ande, Caracol, e depressa. E daqui a dois dias, volte aqui, que espero poder lhe dar mais alguns tostões. Até agora trabalhei para sustentar meu pai, de hoje em diante trabalharei cinco horas mais, para sustentar também a minha boa mãe. Adeus, Caracol, e espero você daqui a dois dias.
Aquela noite, em vez de ficar acordado até as dez horas, Pinóquio ficou acordado até depois da meia-noite, e em vez de fazer oito balaios de junco, fez dezesseis.
Depois foi para a cama e adormeceu. E, dormindo, pareceu-lhe ver em sonho a Fada, linda e sorridente, que, depois de dar-lhe um beijo, disse assim:
— Muito bem, Pinóquio! Graças ao seu bom coração, perdôo-lhe todas as travessuras que você aprontou até hoje. Os meninos que cuidam amorosamente dos pais nos seus sofrimentos e nas suas enfermidades merecem sempre muitos elogios e muito afeto, mesmo quando não podem ser citados como modelos de obediência e de bom comportamento. Crie juízo para o futuro e será feliz.
Nesse ponto o sonho acabou, e Pinóquio acordou de olhos escancarados.
Agora, imaginem a surpresa dele quando, ao acordar, percebeu que não era mais uma marionete de madeira, mas havia se tornado um menino como todos os outros. Deu uma olhada ao redor e, saltando da cama, encontrou já preparada uma linda roupa nova, um boné novo e um par de botinhas de couro que eram uma beleza.
Assim que se vestiu, pareceu-lhe natural meter as mãos nos bolsos, e encontrou um pequeno porta-níqueis de marfim, no qual estavam escritas estas palavras: "A Fada dos cabelos azuis devolve ao seu querido Pinóquio os quarenta tostões e muito lhe agradece por seu bom coração". Aberta a carteira, em vez dos quarenta tostões brilhavam ali quarenta moedas de ouro, novinhas em folha.
Depois foi se olhar no espelho. E pareceu-lhe ser outro. Não viu mais refletida a imagem da marionete de madeira a que estava acostumado, mas a imagem esperta e inteligente de um bonito menino de cabelos castanhos e olhos azuis, com ar radiante de felicidade. Pinóquio não sabia mais se estava de fato acordado ou se continuava sonhando de olhos abertos.
— E o meu pai onde está? — gritou. E entrando no quarto ao lado, encontrou o velho Gepeto, que, sadio, animado e de bom humor como antigamente, havia retomado sua profissão de entalhador e estava justamente desenhando uma linda moldura cheia de folhagens, flores e cabecinhas de animais. — Tire-me uma curiosidade, paizinho: como se explicam todas essas mudanças repentinas? — perguntou Pinóquio.
— Essas mudanças na nossa casa são merecimento seu — disse Gepeto.
— E o velho Pinóquio de madeira onde será que se escondeu?
— Olhe para lá — respondeu Gepeto. E indicou-lhe uma grande marionete encostada numa cadeira, com a cabeça virada para um lado, os braços pendentes e as pernas de um jeito que parecia milagre que continuasse de pé.
Pinóquio virou-se para olhá-la e disse de si para si com grande complacência:
— Como eu era engraçado quando era marionete! E como estou contente agora que me tornei um bom menino!...




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