Era uma vez...
— Um rei! — dirão
logo os meus pequenos leitores.
— Não, crianças,
erraram. Era uma vez um pedaço de madeira.
Um belo dia, esse
pedaço de madeira foi parar na oficina de um velho marceneiro que tinha o nome
de mestre Antônio, mas que todos chamavam de mestre Cereja, por causa da ponta
do seu nariz sempre lustrosa e vermelha.
Mestre Cereja ficou
todo contente e, esfregando as mãos, murmurou:
— Chegou em boa hora
para fazer uma perna de mesa.
Dito e feito, pegou o
machado afiado, a fim de desbastá-lo. Mas, quando estava quase desferindo a
primeira machadada, uma vozinha bem fina disse, implorando:
— Não me bata com força!
Imaginem só como
ficou mestre Cereja, o bom velho!
Deu uma olhada
surpresa ao redor do quarto e não viu ninguém! Abriu a porta para dar uma
olhada na rua, e nada. E agora?...
— Entendi — disse
então rindo. — Vai ver que fui eu mesmo que inventei aquela vozinha.
E deu um golpe firme
com o machado no pedaço de madeira.
— Ai! Você me
machucou! — gritou a mesma vozinha.
Mestre Cereja ficou
com a língua pendurada para fora até o queixo.
— Será que esse
pedaço de madeira aprendeu a se queixar feito criança?
Não posso acreditar.
Será que alguém está escondido dentro dele? Se está, pior para ele. Dou um
jeito já, já!
E, dizendo isso,
agarrou o pobre pedaço de madeira e começou a batê-lo sem piedade contra as
paredes.
Depois parou à
escuta, para ver se alguma voz se queixava. Esperou dois minutos, e nada. Cinco
minutos, e nada. Dez minutos, e nada!
— Já entendi — disse
então, esforçando-se para rir. — Vai ver que aquela vozinha que disse “ai” fui
eu mesmo que inventei. Vamos voltar ao trabalho.
E pegou uma plaina
para limpar a madeira.
Mas, enquanto fazia
isso, a mesma vozinha disse rindo:
— Está me fazendo
cócegas!
Dessa vez, o pobre
mestre Cereja desabou.
Quando reabriu os
olhos, viu-se sentado no chão.
Seu rosto parecia
transfigurado, e até a ponta do nariz, em vez de estar vermelha como sempre,
havia se tornado azul de medo.
Nisso, bateram à
porta.
— Pode entrar — disse
o marceneiro, sem forças para se pôr de pé.
Então entrou na
oficina um velhinho todo animado. O nome dele era Gepeto, mas, para irritá-lo,
os meninos da vizinhança o chamavam de Polentinha, devido à peruca amarela,
parecidíssima com polenta.
Gepeto tinha pavio
curto. Ai de quem o chamasse Polentinha! Virava logo fera.
— Bom-dia, mestre
Antônio — disse Gepeto. — O que está fazendo no chão?
— Estou ensinando
matemática às formigas.
— Bom proveito.
— O que o trouxe
aqui, compadre Gepeto?
— As pernas. Mestre
Antônio. Hoje de manhã, pensei em fabricar uma linda marionete que saiba dançar
e dar saltos mortais. Com essa marionete quero rodar o mundo, para conseguir um
pedaço de pão e um copo de vinho.
— Bravo, Polentinha!
— gritou aquela mesma vozinha que não se entendia de onde saísse.
Compadre Gepeto ficou
vermelho de raiva e, voltando-se para o marceneiro, disse enfurecido:
— Chamou-me de Polentinha!...
— Não fui eu.
— Vai ver então que
fui eu! Pois eu digo que foi o senhor.
— Não!
— Sim!
Esquentando-se cada
vez mais, passaram das palavras aos atos e se agarraram, se unharam, se
amarrotaram.
Acabado o combate,
mestre Antônio viu-se com a peruca amarela de Gepeto nas mãos, e Gepeto
percebeu que tinha entre os dentes a peruca grisalha do marceneiro.
— Devolva a minha
peruca! — gritou mestre Antônio.
— E você devolva a
minha. E façamos as pazes.
Os dois velhinhos se
apertaram as mãos e juraram continuar bons amigos para o resto da vida.
Mestre Antônio, todo
contente, foi buscar aquele pedaço de madeira que lhe havia dado tantos sustos.
Mas o pedaço de madeira deu uma sacudidela e foi bater com força nas canelas do
pobre Gepeto.
— Ah! É com essa
delicadeza, mestre Antônio, que o senhor dá um presente? Quase me aleijou!...
— Juro que não fui
eu! A culpa é todinha desse pedaço de madeira...
— Eu sei que é da
madeira, mas foi o senhor que a atirou nas minhas canelas!
— Mas eu não atirei!
— Mentiroso!
— Gepeto, não me
ofenda, senão lhe chamo de Polentinha!...
— Asno!
— Polentinha!
— Macaco horroroso!
— Polentinha!
Gepeto não se conteve
e se atirou sobre o marceneiro. E aí se moeram de pancadas.
Finda a batalha,
mestre Antônio estava com dois arranhões a mais no nariz, e o outro com dois
botões a menos no colete. Empatadas assim as contas, deram-se as mãos e juraram
continuar bons amigos para o resto da vida.
Gepeto pegou seu belo
pedaço de madeira e, agradecendo a mestre
Antônio, voltou
mancando para casa.
Nenhum comentário:
Postar um comentário