quinta-feira, 4 de junho de 2015

I - Mestre Cereja, marceneiro, encontra um pedaço de madeira que chora e ri como uma criança - Pinóquio

Era uma vez...
— Um rei! — dirão logo os meus pequenos leitores.
— Não, crianças, erraram. Era uma vez um pedaço de madeira.
Um belo dia, esse pedaço de madeira foi parar na oficina de um velho marceneiro que tinha o nome de mestre Antônio, mas que todos chamavam de mestre Cereja, por causa da ponta do seu nariz sempre lustrosa e vermelha.
Mestre Cereja ficou todo contente e, esfregando as mãos, murmurou:
— Chegou em boa hora para fazer uma perna de mesa.
Dito e feito, pegou o machado afiado, a fim de desbastá-lo. Mas, quando estava quase desferindo a primeira machadada, uma vozinha bem fina disse, implorando:
— Não me bata com força!
Imaginem só como ficou mestre Cereja, o bom velho!
Deu uma olhada surpresa ao redor do quarto e não viu ninguém! Abriu a porta para dar uma olhada na rua, e nada. E agora?...
— Entendi — disse então rindo. — Vai ver que fui eu mesmo que inventei aquela vozinha.
E deu um golpe firme com o machado no pedaço de madeira.
— Ai! Você me machucou! — gritou a mesma vozinha.
Mestre Cereja ficou com a língua pendurada para fora até o queixo.
— Será que esse pedaço de madeira aprendeu a se queixar feito criança?
Não posso acreditar. Será que alguém está escondido dentro dele? Se está, pior para ele. Dou um jeito já, já!
E, dizendo isso, agarrou o pobre pedaço de madeira e começou a batê-lo sem piedade contra as paredes.
Depois parou à escuta, para ver se alguma voz se queixava. Esperou dois minutos, e nada. Cinco minutos, e nada. Dez minutos, e nada!
— Já entendi — disse então, esforçando-se para rir. — Vai ver que aquela vozinha que disse “ai” fui eu mesmo que inventei. Vamos voltar ao trabalho.
E pegou uma plaina para limpar a madeira.
Mas, enquanto fazia isso, a mesma vozinha disse rindo:
— Está me fazendo cócegas!
Dessa vez, o pobre mestre Cereja desabou.
Quando reabriu os olhos, viu-se sentado no chão.
Seu rosto parecia transfigurado, e até a ponta do nariz, em vez de estar vermelha como sempre, havia se tornado azul de medo.
Nisso, bateram à porta.
— Pode entrar — disse o marceneiro, sem forças para se pôr de pé.
Então entrou na oficina um velhinho todo animado. O nome dele era Gepeto, mas, para irritá-lo, os meninos da vizinhança o chamavam de Polentinha, devido à peruca amarela, parecidíssima com polenta.
Gepeto tinha pavio curto. Ai de quem o chamasse Polentinha! Virava logo fera.
— Bom-dia, mestre Antônio — disse Gepeto. — O que está fazendo no chão?
— Estou ensinando matemática às formigas.
— Bom proveito.
— O que o trouxe aqui, compadre Gepeto?
— As pernas. Mestre Antônio. Hoje de manhã, pensei em fabricar uma linda marionete que saiba dançar e dar saltos mortais. Com essa marionete quero rodar o mundo, para conseguir um pedaço de pão e um copo de vinho.
— Bravo, Polentinha! — gritou aquela mesma vozinha que não se entendia de onde saísse.
Compadre Gepeto ficou vermelho de raiva e, voltando-se para o marceneiro, disse enfurecido:
— Chamou-me de Polentinha!...
— Não fui eu.
— Vai ver então que fui eu! Pois eu digo que foi o senhor.
— Não!
— Sim!
Esquentando-se cada vez mais, passaram das palavras aos atos e se agarraram, se unharam, se amarrotaram.
Acabado o combate, mestre Antônio viu-se com a peruca amarela de Gepeto nas mãos, e Gepeto percebeu que tinha entre os dentes a peruca grisalha do marceneiro.
— Devolva a minha peruca! — gritou mestre Antônio.
— E você devolva a minha. E façamos as pazes.
Os dois velhinhos se apertaram as mãos e juraram continuar bons amigos para o resto da vida.
Mestre Antônio, todo contente, foi buscar aquele pedaço de madeira que lhe havia dado tantos sustos. Mas o pedaço de madeira deu uma sacudidela e foi bater com força nas canelas do pobre Gepeto.
— Ah! É com essa delicadeza, mestre Antônio, que o senhor dá um presente? Quase me aleijou!...
— Juro que não fui eu! A culpa é todinha desse pedaço de madeira...
— Eu sei que é da madeira, mas foi o senhor que a atirou nas minhas canelas!
— Mas eu não atirei!
— Mentiroso!
— Gepeto, não me ofenda, senão lhe chamo de Polentinha!...
— Asno!
— Polentinha!
— Macaco horroroso!
— Polentinha!
Gepeto não se conteve e se atirou sobre o marceneiro. E aí se moeram de pancadas.
Finda a batalha, mestre Antônio estava com dois arranhões a mais no nariz, e o outro com dois botões a menos no colete. Empatadas assim as contas, deram-se as mãos e juraram continuar bons amigos para o resto da vida.
Gepeto pegou seu belo pedaço de madeira e, agradecendo a mestre
Antônio, voltou mancando para casa.




Nenhum comentário:

Postar um comentário