sexta-feira, 29 de maio de 2015

Insetos do Espelho Parte I - Capítulo III - Alice Através do Espelho

EVIDENTEMENTE A PRIMEIRA COISA A FAZER era um levantamento completo da região que iria atravessar. “É muito parecido com estudar geografia”, pensou Alice, erguendo-se nas pontas dos pés na esperança de conseguir ver um pouco mais longe. “Rios principais… não há nenhum. Montanhas principais… estou em cima da única, mas não me parece que tenha nome. Cidades principais… ora, o que são aquelas criaturas fazendo mel ali? Abelhas não podem ser… quem já enxergou abelhas a um quilômetro de distância?” E ficou em silêncio por algum tempo, observando uma delas que se alvoroçava entre as flores, fincando-lhes o probóscide, “exatamente como uma abelha comum”, pensou Alice.
No entanto, aquilo era tudo menos uma abelha comum: na verdade era um elefante… como Alice logo descobriu, embora de início a ideia a tenha deixado completamente sem fôlego. “E que flores enormes devem ser aquelas!” foi o que pensou em seguida. “Como se fossem cabanas sem teto e com hastes… e que quantidade de mel devem produzir! Acho que vou descer e… não, ainda não”, continuou, contendo-se quando já começava a correr morro abaixo, tentando arranjar alguma desculpa para ficar tão precavida de repente. “Não vai adiantar nada descer até eles sem um galho jeitoso, comprido, para tangê-los… e como vai ser engraçado quando me perguntarem se gostei do meu passeio. Vou dizer: ‘Ah, gostei muito…’” (aqui deu sua sacudidela de cabeça favorita), “‘só que estava tão quente e poeirento, e os elefantes incomodavam tanto!’” 
“Acho que vou descer pelo outro lado”, disse após uma pausa; “e talvez possa visitar os elefantes mais tarde. Além disso, quero tanto chegar à Terceira Casa!” 
Com essa desculpa, desceu o morro correndo e saltou por sobre o primeiro dos seis riachinhos.
“Passagens, por favor!” disse o Guarda, enfiando a cabeça pela janela. Num instante todos estavam empunhando passagens: eram mais ou menos do tamanho das pessoas e pareciam encher completamente o vagão. 
“Vamos lá! Mostre sua passagem, criança!” prosseguiu o Guarda, olhando irritado para Alice. E uma porção de vozes exclamou ao mesmo tempo (“como o refrão de uma canção”, pensou Alice): “Não o faça esperar, criança! Ora, o tempo dele vale mil libras o minuto!” 
“Sinto muito, mas não tenho passagem”, Alice disse, atemorizada; “não havia guichê lá de onde vim.” E o coro de vozes recomeçou: “Não havia lugar para uma pessoa lá de onde ela veio. A terra lá vale mil libras o centímetro!” 
“Não me venha com desculpas”, disse o Guarda; “devia ter comprado uma do maquinista.” E de novo o coro de vozes se ergueu com: “Com o maquinista. Ora, só a fumaça vale mil libras a baforada!”
Alice pensou consigo: “Se é assim, não adianta nada falar.” Dessa vez as vozes não a acompanharam, já que ela não falara, mas, para sua grande surpresa, todas pensaram em coro (espero que você entenda o que significa pensar em coro… porque devo confessar que eu não entendo): “Melhor não dizer nada. A fala vale mil libras a palavra!” 
“Vou sonhar com mil libras esta noite, tenho certeza!” pensou Alice. Durante todo esse tempo o Guarda estava olhando para ela, primeiro através de um telescópio, depois com um microscópio e depois com um binóculo. Finalmente disse: “Você está na direção errada”, fechou a janela e foi embora. 
“Uma criança tão pequena”, disse o cavalheiro sentado diante dela (a roupa dele era de papel branco), “deveria saber em que direção está indo, mesmo que não saiba o próprio nome!” 
Uma Cabra, que estava sentada junto ao cavalheiro de branco, fechou os olhos e disse alto: “Ela devia saber como chegar ao guichê, mesmo que não saiba o bê-á-bá.” 
Havia um Besouro sentado perto da Cabra (tratava-se de um vagão com passageiros muito esquisitos), e, como a regra parecia ser que cada um falasse de uma vez, ele continuou com: “Ela vai ter de ser despachada de volta como bagagem.”
Alice não podia ver quem estava sentado na frente do Besouro, mas em seguida uma voz rouca falou, num tom grosseiro: “Trocar de locomotivas…” — e nesse ponto engasgou e foi obrigado a parar.
“Parece que é um cavalo”, Alice pensou. E um fiozinho de voz disse, perto do seu ouvido: “Você podia fazer uma piada sobre isso… algo sobre ‘cavalo’ e ‘cavalice’, não é?”
Depois uma voz muito meiga disse à distância: “Será preciso lhe pregar uma etiqueta ‘Mocinha. Cuidado, é frágil’.
Depois dessa, outras vozes se fizeram ouvir (“Quanta gente neste vagão!” pensou Alice), dizendo: “Deve ir pelo correio, pois está selada…” “Deve ser enviada como uma mensagem pelo telégrafo…” “Deve puxar o trem ela própria pelo resto da viagem…” e assim por diante. 
Mas o cavalheiro vestido de papel branco curvou-se e lhe sussurrou no ouvido: “Não ligue para o que estão dizendo, minha cara, mas compre uma passagem de volta cada vez que o trem parar.” 
“De jeito nenhum!” disse Alice, um tanto impaciente. “Nem sei o que estou fazendo nesta viagem de trem… agora mesmo estava num bosque… e gostaria de poder voltar para lá!” 
“Você poderia fazer uma piada com isso”, disse a vozinha ao pé do seu ouvido; “algo como ‘querias mas não podias’, não é?” 
“Pare de caçoar assim”, disse Alice, olhando em volta sem conseguir descobrir de onde vinha a voz; “se está tão aflito por uma piada, por que você mesmo não faz uma?” 
A vozinha deu um suspiro profundo. Estava muito infeliz, evidentemente, e Alice lhe teria dito uma palavra de consolo, “se pelo menos suspirasse como as outras pessoas!” ela pensou. Mas aquele foi um suspiro tão assombrosamente pequenininho que nem o teria escutado se não tivesse sido dado bem junto do seu ouvido. A consequência foi que sentiu muita cócega no ouvido, e a infelicidade da pobre criaturinha desapareceu da sua cabeça. 
“Sei que você é uma amiga”, a vozinha continuou: “uma amiga querida e uma velha amiga. E você não vai me ferir, embora eu seja um inseto.” 
“Que tipo de inseto?”, Alice indagou um pouco apreensiva. O que realmente queria saber era se picava ou não, mas lhe pareceu que essa não seria uma pergunta muito polida. 
“Ora, então você não…”, começou a vozinha, quando foi abafada por um apito estridente da locomotiva, e todos deram um pulo de susto, inclusive Alice. 
O Cavalo, que tinha posto a cabeça para fora da janela, recolheu-a calmamente e disse: “É só um riacho que temos de saltar.” Todos pareceram satisfeitos com a explicação, embora Alice tenha se sentido um pouco nervosa à simples ideia de trens saltando. “De todo modo, ele vai nos levar para a Quarta Casa, já é um consolo!” disse para si mesma. Um instante depois sentiu que o vagão estava subindo pelos ares e, no seu pavor, agarrou o que estava mais perto da sua mão, que calhou ser a barba da Cabra. 

Mas a barba pareceu se dissolver quando ela a tocou, e Alice se viu sentada tranquilamente sob uma árvore… enquanto o Mosquito (pois esse era o inseto com quem estivera conversando) se balançava num ramo bem em cima da sua cabeça e a abanava com as asas. 




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